Ela era reconhecida como uma mulher de notável beleza, mas também era associada à crueldade e depravação. A aura de controvérsia que cercava essa figura foi exacerbada pelos crimes atribuídos à sua família, persistindo até os dias atuais. Alegava-se que ela era filha, nora e amante do Papa Alexandre VI, além de ser acusada de ser uma assassina prolífica que utilizava veneno para eliminar suas vítimas. Esse último boato foi fortalecido por obras de renomados autores, como a tragédia homônima de Vítor Hugo, posteriormente musicada por Gaetano. No apogeu do Renascimento Italiano, detalhes mais aprofundados sobre essa mulher, que nasceu em uma família influente e apoiou diversas obras de arte renomadas, foram revelados. No entanto, sua linhagem, os Borgia, também é marcada como uma das famílias mais sinistras e enigmáticas da história.
Lucrécia Borgia, nascida em Subiaco, Itália, em 18 de abril de 1480, era a terceira filha do cardeal espanhol Rodrigo Borgia, que posteriormente ascendeu a Papa da Igreja Católica em 1492, adotando o nome de Alexandre VI. Pode-se caracterizar Rodrigo como um homem terrivelmente ambicioso, disposto a qualquer coisa para manter-se no poder, o que lhe granjeou diversos inimigos.
Sua conduta, especialmente em terras estrangeiras, era motivo de grande desgosto entre os italianos, pois agia com desfaçatez e arrogância, ignorando por completo a manutenção de boas relações. Vale ressaltar que, na época, o celibato não era compulsório para um cardeal.
Rodrigo Borgia teve pelo menos sete filhos reconhecidos de mais de uma mulher, sendo Vanoza Catane, uma dama lombarda, sua favorita e mãe de quatro filhos que Rodrigo Borja reconheceu como herdeiros legítimos, apesar de não terem sido fruto de um casamento formal: Giovanni, Cesare, Jofré e sua amada filha Lucrécia. Os irmãos Borgia mantinham um vínculo forte, influenciados significativamente por suas origens espanholas, e entre eles, Lucrécia tinha uma relação particularmente próxima com César. Essa proximidade era crucial, pois os irmãos eram frequentemente menosprezados devido à sua ascendência estrangeira, fortalecendo assim um senso de união entre os membros da família Borgia.
Embora Lucrécia fosse intensamente amada por seu pai, conforme relatado por alguns cronistas, sua relação com a mãe era notavelmente distante. O cardeal, de fato, amava profundamente todos os seus filhos, dedicando-se desde cedo a garantir as melhores posições para cada um. No entanto, dada a natureza ilegítima de sua prole, ele julgou mais apropriado que fossem criados sob a tutela dele e de sua família, em vez de junto à mãe.
Na infância, Lucrécia foi confiada aos cuidados de uma prima de seu pai, Adriana, viúva do nobre Ludovico Orsini. Os Orsini eram amigos de Rodrigo Borgia, que, aos 60 anos, mantinha um relacionamento com Júlia Farnes Orsini, de 14 anos. Sob os cuidados de Adriana, Júlia e Lucrécia desenvolveram uma forte amizade. Lucrécia recebeu uma educação abrangente, abordando poesia espanhola, francês, italiano e um pouco de latim. Seus interesses incluíam música, dança e bordado, e ela foi instruída a expressar-se com eloquência e elegância.
Aos 11 anos, Lucrécia foi prometida em casamento duas vezes a pretendentes espanhóis. Nesse período, seu pai, então cardeal, vislumbrava um futuro na Espanha para seus filhos. Em fevereiro de 1491, o escolhido inicialmente foi Dom Cherubino de Centelles, em um contrato que estipulava um dote de 30.000 timbres valencianos, divididos entre dinheiro e joias. Dois meses depois, Rodrigo Borja estabeleceu novos acordos. Embora Dom Cherubino tenha ficado desapontado, ele recebeu um anel de ouro e um documento atestando sua aceitação. Contudo, na prática, a situação foi temporariamente esquecida, e Lucrécia permaneceu em Roma com os irmãos e o pai.
A ascensão de Rodrigo ao papado em 1492 alterou o curso da vida de Lucrécia. Após sua coroação, ele começou a arranjar casamentos vantajosos para seus filhos. Giovanni, seu filho mais velho, tornou-se duque de Gandía e foi enviado para casar-se com Maria Enriquez, neta dos Reis Católicos. Em relação a Lucrécia, os planos iniciais foram ajustados para refletir o novo status de seu pai.
A reputação de Rodrigo Borgia, agora Papa Alexandre VI, que incluía ter uma amante e filhos ilegítimos, não era bem recebida em Roma, mesmo em uma era mais tolerante à corrupção. Assim, Alexandre VI viu a oportunidade de consolidar alianças políticas e melhorar a imagem de sua família ao casar Lucrécia com Giovanni Sforza, um nobre de uma família influente de Milão. O casamento ocorreu em 12 de junho de 1493, quando Lucrécia tinha apenas 13 anos.
Giovanni Sforza, um homem mais velho com uma reputação questionável, foi o escolhido, embora o casamento tenha começado de maneira tranquila, rapidamente se deteriorou. Surgiram rumores de impotência ou preferências homossexuais por parte de Giovanni. Alexandre VI, desejando manter a aliança com os Sforza, interveio, mas o casamento estava fadado ao fracasso.
O casamento foi anulado em 1497, alegando-se que não foi consumado. Giovanni Sforza, sentindo-se humilhado, contestou a anulação, alegando que a verdadeira razão era o desejo de Alexandre VI de se aliar a outros poderosos. A questão foi resolvida com um acordo financeiro e um juramento de Giovanni de que não buscaria vingança contra os Borgias.
A anulação permitiu que Alexandre VI explorasse novas alianças políticas para a família. Nesse ínterim, ele se aproximou do rei francês Luís XII e planejou um novo casamento para Lucrécia. Em 1498, Lucrécia foi dada em casamento a Alfonso d’Este, duque de Ferrara, consolidando assim uma aliança com os Este, uma nobre família italiana. Ao contrário do casamento anterior, esse foi mais bem-sucedido e duradouro.
A vida de Lucrécia em Ferrara foi marcada por seu papel na corte e seu patrocínio às artes e à cultura. Ela e Alfonso tiveram vários filhos, proporcionando a Lucrécia uma certa estabilidade em sua vida pessoal. Ela tornou-se uma figura respeitada, reconhecida por suas habilidades políticas e sua influência cultural.
Apesar dos rumores e difamações associados ao seu nome, é crucial observar que muitos dos relatos sobre Lucrécia Borgia baseiam-se em fontes hostis e sensacionalistas. Sua vida foi complexa e repleta de intrigas políticas, mas também incluiu momentos de significativo patrocínio artístico e cultural.
A reputação de Lucrécia Borgia como uma mulher maligna e depravada perdurou ao longo dos séculos, alimentada por representações artísticas, obras literárias e especulações históricas. No entanto, uma análise crítica dos eventos de sua vida sugere que ela era uma figura mais nuanceada, influenciada por circunstâncias políticas e familiares complexas. A lenda negra que a envolve destaca a complexidade das narrativas históricas e como a reputação de uma figura pode ser moldada ao longo do tempo. Lucrécia Borgia permanece como um personagem fascinante, cuja história continua a despertar interesse e debate nos campos da história, literatura e arte.